Uniselva apoia projeto que já qualificou mais de mil egressos do trabalho análogo à escravidão
21/03/2023

Projeto Ação Integrada existe desde 2009 e é uma ação conjunta da UFMT, Ministério Público do Trabalho e Superintendência Regional do Trabalho
Recentemente, as manchetes dos jornais repercutiram uma realidade tão distante e ao mesmo tempo tão próxima de nós, moradores dos grandes centros urbanos: o trabalho análogo à escravidão. Escravidão essa que teria sido abolida por meio da Lei Áurea, em 1888, mas que apenas ganhou uma nova roupagem e segue sendo praticado no Brasil, tendo como principal característica a degradação humana.
Em meio a paisagem cinematográfica das vinícolas localizadas em Bento Gonçalves (RS), uma grande operação ministrada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e as polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF), levaram a público a situação de cerca de 200 trabalhadores contratados para atuarem na colheita da uva, mas que estavam vivendo em condições muito semelhantes à de uma escravidão abolida há mais de um século.
Jornadas exaustivas, de até 15h sem pausas, sem direito a folgas e tratamento violento ao tentarem ir embora do local, como era o caso de surras com cabo de vassoura, spray de pimenta e até choques elétricos, conforme relatos dos trabalhadores às autoridades. Isso sem contar as péssimas condições dos alojamentos, da alimentação e o trabalho exaustivo sem remuneração alguma.
De Bento Gonçalves a Nova Xavantina, município mato-grossense, a distância entre os trabalhadores só se mede pelos mais de 1.600 quilômetros que separam uma cidade a outra, porque as condições de trabalho de outras quatro pessoas resgatadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Defensoria Pública da União (DPU) e a Polícia Federal (PF), eram semelhantes a do primeiro relato.
Os dois casos aconteceram em fevereiro deste ano. Na Fazenda Filadélfia, em Nova Xavantina, os trabalhadores foram contratados para trabalhar no corte e carregamento de eucalipto para formação de pastagem. O alojamento funcionava em dois barracos de lona sem a mínima estrutura, com assoalho de terra e cascalho, sem acesso à água potável e com alimentação escassa.
Para driblar a situação, os resgatados tomavam banho e bebiam água em um riacho próximo e faziam as necessidades fisiológicas no mato, a céu aberto. Dormiam em camas improvisadas – colchões velhos e sujos sobre tábuas e toras de madeira.
Mas diante de tanta degradação, qual o futuro destas pessoas após serem resgatadas?

A vida pós-escravidão
Pensando justamente neste aspecto é que o Projeto Ação Integrada (PAI), uma iniciativa apoiada pela Fundação Uniselva e executada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) e Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Mato Grosso (SRTE-MT), se preocupou em propiciar qualificação profissional, geração de renda e de oportunidades aos resgatados.
O PAI existe desde 2009 no estado e já atendeu a mais de mil trabalhadores em diferentes cursos de qualificação profissional. A origem do projeto se deu pela sensibilidade dos auditores fiscais do trabalho, que entendiam a importância do resgate das vítimas, mas acreditavam que era preciso mais do que isso para que este ciclo fosse quebrado. E como a falta de formação era constante nas vítimas de trabalho escravo, a qualificação profissional poderia ser a chave para este quebra-cabeça.
“O Ação Integrada é fruto da fiscalização dos auditores fiscais do trabalho. Já que à época não existia uma política pública pensada diretamente na situação do trabalho análogo à escravidão, pensou-se na qualificação como ferramenta de empoderamento dessas vítimas. Isso ajudou a fechar um ciclo e abrir outro mais promissor e que desse uma vida digna para este trabalhador”, disse o superintendente regional do Trabalho e Emprego, Eduardo de Souza Maria.
Mas ofertar qualificação profissional para um trabalhador recém retirado de uma situação degradante não poderia ser uma imposição, por isso acolher e ouvir essas pessoas se tornou o modus operandi do projeto, como explicou a coordenadora do projeto na UFMT, professora Kelly Pellizari.
“Nossa dinâmica não é simplesmente direcionar este trabalhador para o curso que definirmos. Primeiramente nós ouvimos ele, porque pensamos que essas são pessoas que merecem ser ouvidas e a partir disso perguntamos suas preferências, quais são as áreas que ele gostaria de atuar e daí trabalhamos com as demandas, quando temos um número determinado de interessados naquela área, a gente fecha uma turma”, explicou.
O PAI também é um projeto de extensão que envolve diversos pesquisadores e alunos da universidade, fornecendo, inclusive, material acadêmico de grande importância para a instituição. Entre os principais cursos de qualificação já ofertados ao longo dos anos, estão construção civil, maquinários agrícolas, mecânica, cozinha industrial, costura, entre outros, podendo chegar entre dois ou três meses de curso.
Um novo olhar para o problema
À medida que estes trabalhadores eram atendidos, a coordenação do projeto percebeu que não deveria atuar apenas onde a exploração já havia se concretizado. “Foi a partir daí que ampliamos nossos horizontes e passamos a atender a população vulnerável ao trabalho escravo, que se encontra nas comunidades mais pobres, mas que possui o mesmo agravante: a baixa escolaridade e a falta de profissionalização”, destacou Kelly.
E não são apenas os conhecimentos específicos que são objeto de conhecimento entre os alunos. De acordo com Kelly, há duas frentes a serem trabalhadas com essas pessoas: a cidadania, porque geralmente essas pessoas não se reconhecem como cidadão de direito e a elevação da escolaridade, estimulando também que eles retornem ou iniciem os estudos.
Foi com esse olhar atento a esse público vulnerável que o PAI se tornou um projeto de boas práticas reconhecido não só no Brasil, mas também internacionalmente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e continua em pleno funcionamento após 14 anos de seu lançamento.

Por Assessoria de Comunicação/Fundação Uniselva
comunicacao@uniselva.org.br
+ 55 65 3318-9800
facebook.com/fund.uniselva
instagram.com/fundacaouniselva